
As conservas de peixe têm uma longa tradição em Portugal e são um dos símbolos da nossa gastronomia. A conservação de peixe através da salga é um método milenar que a tecnologia fez evoluir e que as duas grandes guerras impulsionaram por serem fáceis de transportar, terem grande validade e serem muito nutritivas.
Ao longo do tempo com a diminuição da procura a indústria conserveira sofreu uma grande quebra. Grande parte das fábricas tiveram de encerrar e para sobreviverem as restantes apostaram na qualidade do produto e na sofisticação das receitas. Mais produtos do mar foram introduzidos e novos ingredientes e temperos foram adicionados,
Sempre presentes nas mesas dos portugueses as conservas de peixe passaram de um produto barato e acessível a todos para um produto gourmet.
Para além das tradicionais sardinhas e do indispensável atum em conserva há um vasto leque de peixes e de frutos do mar preservados em conserva e vendidas em frascos de vidro ou em bonitas latas fabricadas com folha de flandres muitas vezes recriando rótulos antigos.
Cavala, bacalhau, petinga, enguias, salmão, carapau, anchova, polvo, lula, berbigão, mexilhão, ovas…as opções são muitas. Quanto ao líquido em que são conservadas pode ser em água e sal, óleo, azeite e até em vinagre.
Para potenciar o sabor e o requinte, estes líquidos podem incluir outros ingredientes como tomate, cebola, pickles, grão, feijão frade e vegetais vários. E, se falarmos nos condimentos e aromáticos que podem ser utilizados a lista também é variada e muito apetitosa: piri-piri, limão, alho, manjericão, trufa. As novas receitas e variações são inúmeras e contribuem para prestígio internacional das conservas de peixe portuguesas.
Já experimentou fazer um jantar de conservas portuguesas? Petiscar estas iguarias é inigualável. E, escolher o vinho certo é sempre desafiante. O sal, a untuosidade e os condimentos têm de ser tidos em conta para não colidirem com o vinho.
Regra geral um vinho branco com acidez elevada fica bem com grande parte destes peixes em conserva. A gordura pede acidez para suavizar a riqueza das conservas, mas ao mesmo tempo não anula a experiência gastronómica, pelo contrário, equilibra e limpa o palato.
Um vinho espumante ou champagne é outra escolha segura. A acidez refrescante destes vinhos vai contrabalançar a riqueza e salinidade destes peixes preservados em conserva. Se as conservas forem picantes a efervescência natural destes vinhos também vai aliviar o palato.
Se preferir um tinto vai ter de escolher com cuidado porque os taninos colidem com o sal deixando no palato um sabor desagradável. E, se os condimentos forem picantes pode potenciar essa picância em vez de a aliviar. Um tinto com acidez elevada e taninos pouco pronunciados pode funcionar.
E se nunca experimentou um vinho doce com conservas de peixe esta é uma excelente ocasião. Salgado com doce é outro princípio muito aplicado na enogastronomia. Um vinho do Porto branco seco ou uma colheita tardia poderão ser divinais.
Para abrir o apetite seguem algumas sugestões, mas como sempre dizemos o seu palato e gosto pessoal é quem comanda.
Sardinhas em molho de tomate picante
Estas sardinhas conservadas num delicioso molho de tomate com um toque picante, são deliciosas, mas difíceis de harmonizar. Ricas em ómega-3 têm uma untuosidade muito característica que junto com o sal e o picante pedem um vinho intenso, com boa acidez e açúcar residual presente. Um Madeira Sercial tem todas as características para elevar e equilibrar esta iguaria. No vinho Madeira é a casta que define o grau de doçura do vinho. O Madeira Sercial é o mais seco de todos mas tem a intensidade e o equilíbrio necessário para fazer face a esta bomba de sabor.
Sardinhas em azeite
Para equilibrar a oleosidade e salinidade desta conserva fica bem um vinho branco fresco, aromático e com acidez crocante. Experimente um vinho da região do Vinho Verde. Com influência Atlântica estes vinhos são acídicos e refrescantes com aromas cítricos por vezes mais tropicais ou mais florais.
Filete de atum em azeite
É um peixe rico, mas seco por isso requer um vinho mais fino e mineral. Um branco açoriano com o seu carácter vulcânico, mineral e salino e um leque aromático frutado por vezes com notas florais é um vinho muito atrativo para combinar com esta conserva.
Bacalhau em azeite e alho
Esta conserva de bacalhau preservada em sal azeite e alho e de sabor salgado e iodado fica bem com um Encruzado do Dão. É um vinho com intensas notas minerais e ao mesmo tempo tem estrutura para suportar estes sabores tão marcantes.
Mexilhão em escabeche
Para harmonizar com miolo de mexilhão conservado num molho avinagrado à base de cebola, a nossa preferência recai num vinho espumante bruto natural. A acidez do vinagre não é fácil de harmonizar e a acidez natural de um vinho espumante trabalha em conjunto com a sua refrescante efervescência para suavizar e equilibrar a acidez desta conserva.
Filetes de cavala em azeite com limão
A cavala é um peixe rico com sabor pronunciado. Fica bem com um vinho mineral e aromático. A frescura de um branco da região de Lisboa é uma ótima escolha.
Lulas em caldeirada
Conservadas num molho á base de óleo vegetal com temperos vários como pimento, tomate e cebola precisa de acidez para cortar toda esta riqueza. Um incisivo Arinto de Lisboa é uma boa escolha assim como um vinho da região do Vinho Verde. Um vinho da região da Bairrada maioritariamente da casta Baga também tem todas as características que se pretende, aromático, fresco e com boa acidez.
Filetes de anchova em azeite
Têm um sabor salgado muito intenso pois antes de serem enlatadas são salgadas e curadas. É uma das harmonizações mais difíceis. Experimente degustar esta conserva com um rosé seco jovem e fresco.
Filetes de anchova em azeite com alcaparras
As alcaparras ainda intensificam mais o carácter salino anchovas. Combine o intenso sabor umami desta conserva com um Porto branco.
Faça as suas escolhas e combinações mas como sempre dizemos o importante é adquirir produtos de qualidade e, se possível, de produtores que trabalhem de forma sustentável e pouco interventiva.
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